segunda-feira, 20 de agosto de 2012

...dopo un anno


Fachada do Istituto

Passou-se 1 ano letivo. Há dez meses sai de casa com algumas malas e muito otimismo (sempre tive tanto, não sei bem de onde vem). Cheguei em Roma. E depois de 3 dias, ao meu novo endereço: Istituto Universitario Sophia.

Por mais que tente, não posso explicar com exatidão, o que é esse lugar tão particular.

Me avisaram que seria a experiência mais diversificada, rica e profunda que jamais vivi. Eu disse: Ah! Legal. Mal podia imaginar.

Agora tento contar um pouco desses meses. Compartilhar o que vivi, senti, aprendi e também sofri. 

Foi um projeto de muitas, nem conheço todas as pessoas que se envolveram nessa minha aventura. Mas mesmo sem conhecer seus rostos, quero dividir com todos. Àqueles que conheci pessoalmente e pude dizer muito obrigada e aos anônimos que participaram de toda a maluquice que foi agosto passado e as novas que apareceram no percurso, quero enviar essas linhas e dizer-lhes ao menos um pouco o que foi il primo anno di Sophia.


Vita e studio!

Durante uma tarde de estudos, a Cara (das Filipinas), quis fotografar o chimarrão pra mostrar pros seus amigos

Duas palavras de uma abrangência imensurável. De lições de filosofia e ética que abalaram minhas (acreditava) sólidas bases a momentos em casa como a limpeza de um exaustor imundo que me ajudaram a entender a lógica de Parmenide

Cozinhar, limpar, arrumar, receber, se (des)entender com as colegas e compreender o pensamento de Aristotele. 

Depois de uma aula de Antropologia ed Etica della Persona, decidir abrir o coração a uma paixão que se apresentava e até ali tinha decidido ignorar, afinal, meu objetivo era só estudar.

Chorar, rir, brigar e se desculpar, administrar os problemas que ficaram no Brasil e ter um exame pra fazer. Tudo no mesmo dia. Isso é vida e estudo. Com uma pitada di pazzia

Abrir mão dos “meus saberes”, das minhas certezas (eu sempre tive tantas...) para me colocar no lugar do outro. 

Encarar o medo do escuro pra participar de uma festa, um jantar ou pra acompanhar uma amiga até a cidadezinha mais próxima. Quase enfartei de medo algumas vezes, mas cheguei.

Ouvir... e calar. 

Abrir-se. E dói. As vezes dói muito. Mas no quarto ou mesmo na cama ao lado saber que tem alguém que para tudo e te ampara. Te consola. Sem precisar pedir por isso. É tão reconfortante. 

Jamais imaginei estudar teologia. E imaginava menos ainda me emocionar com as Cartas de São Paulo. Menos ainda entender e encarar um conflito interno e antigo estudando para o exame. 

Foi o ano mais intenso, ambíguo e bonito dos meus jovens 30 anos. E ainda tem mais um.

As disciplinas, as diversidades etnoculturais, a vida em comunidade... tudo isso posso contar episódios, dar exemplos, relembrar histórias. Mas a mudança que tudo isso provocou dentro de mim não é possível explicar. Algumas só me dou conta depois de um tempo ou quando um dos colegas me fazem perceber. E provavelmente muita coisa ainda nem me dei por conta. Amadurecemos juntos. 

E é tão cansativo. Um tipo de cansaço que nunca havia provado antes...

Dói dentro dos músculos. Às vezes tenho a impressão que todas as minhas células precisam de repouso. Desejo ter um botão de desligar. Logo depois, vem uma energia, uma recarga desconhecida e consigo ir adiante mais uma semana. 

Algumas vezes fiz todo um esforço pra entrar na lógica da casa, da vida em comum, me adaptar e de repente, quando pra mim fazia sentido e superava e até achava melhor, tudo mudava de novo. Me desiludi muitas vezes. Desisti tantas outras. Quis não me importar...

Mas afinal o que se aprende ao desistir? E recomecei.

Tem vezes que tenho a impressão que todos os sophianos são meio loucos. Quase como se fosse um pré-requisito pra vir estudar aqui. Eu mesma nunca me considerei muito certa das idéias. Depois me lembro que na verdade vivo numa pequena amostra do que é o mundo globalizado, com uma super vantagem: todos os loucos sophianos estão tentando. Dão o seu melhor. 

No “'mundo real” tantos já desistiram. 

Minha Turma

Pensando lá no começo, nos primeiros dias me lembro de haver escrito um e-mail:

Felipe, é meio estranho o que vou te dizer, mas excesso de simpatia irrita. Esse povo aqui é muito fofo. Sempre querendo agradar, perguntando mil vezes se preciso de alguma coisa. Me sufocam”.

E eu precisa: de espaço. 

Quanta ignorância a minha. Agora a “miss simpatia” tantas vezes, sou eu. É meio contagioso. 

No fim da primeira semana houve uma festa. Misturei noites mal dormidas com fuso horário, violento processo de adaptação com uma pitada de comida estranha acrescentado de um copo de caipirinha made in Italy. O resultado foi uma rebelião hepática. 

E toda aquela simpatia internacional foi o melhor e mais poderoso remédio que já me foi receitado. Acostumada a ficar doente sozinha no meu solitário apartamento, me vi rodeada por seis doces cuidadoras. Cada uma a seu modo me curou. E me senti culpada por achar tão insuportável tanto carinho. E confessei e pedi desculpas por algo que elas nem sabiam, mas que serviu pra me fazer crescer.

A loucura coletiva, como chamamos por aqui, começa a me parecer a fórmula para uma vida repleta de pequenos belos momentos. Rica e emocionalmente saudável. 

Quisera poder transferir para o mundo e transformá-la em cura coletiva. Porque tem esse poder, o de curar. Tem curado meus medos, minhas inseguranças, minhas grosserias, fragilidades, minhas angústias.

Consigo ser eu mesma. E melhor que antes. Às vezes pior. Mas me aceitam mesmo assim. Me amam mesmo no dia em que se eu pudesse, me mandava embora. 

La pazzia studentesca

No meio a Cara, das Filipinas e ao lado a Thamires, brasileira. Estavamos fazendo terapia ocupacional em grupo como medida preventiva da loucura coletiva no período de exames...

Foram 23 cursos entre teologia, filosofia, sociologia, politica, ética, economia e língua italiana.

As notas aceitas vão de 18 a 30lode. Até agora não entendi bem che cavolo sia questo lode, mas eu tenho 1 :-) 

Os cursos foram divididos em módulos e alguns foram semestrais. Pra mim, o mais estranho é que em período de exames não tem aulas. E não é obrigatório fazer o exame na primeira sessão, é possível fazer mais adiante. Como assim? Que moleza é essa? São 3 ou 4 semanas ou mais, depende da sessão, exclusivamente de exames. E o povo pira no cabeção. Ficam super estressados, reclamam do mínino rumor dentro de casa, comem tudo o que encontram pela frente no melhor estilo “gafanhotos atacam a lavoura” e recusam todo e qualquer convite, afinal precisam estudar para os exames. 

concentração... p.s. olha o vinho ali na mesa!

Na primeira sessão achei graça de tanto estresse. E no fim de semana bem no meio da sessão, fui passear. Bologna e Venezia. Ah Venezia! A cidade mais romântica do mundo e o guri mais fofo... Mas essa história só conto pessoalmente.

Na segunda sessão me estressei com o estresse da galera. Tava um frio de “renguear cusco” e não conseguia sair de casa. Neve, vento e todos os ingredientes do inverno europeu. Pra uma gaúcha esquisita como eu, que não gosta de carne muito menos de frio, depois que passou o primeiro encanto com a neve, foi um período duro. 

a neve é linda, mas confesso que estava de joelhos...

Na terceira, só tinha uma prova pra fazer. Porque afinal não deixei de ser “cricri” e fiz os exames sempre na primeira sessão em que eram oferecidos e me fui viajar... me mandei mesmo. Fui conhecer Paris (eu e o guri mais fofo) com mais um colega super estudioso que também não tinha exames pra fazer. O povo estressado “estudandinho” e eu passeando pela cidade das luzes. Um luxo pelo preço de uma passagem a minha querida Santa Cruz do Sul. Imperdível. 

Na quarta, e pra mim, última sessão de provas do primeiro ano, estudei com dedicação. É já verão. Pude ir sentar na grama, embaixo de uma árvore com meu chimarrão e estudei mesmo. Sozinha ou com um dos meus colegas mais queridos estudei como nos velhos tempos de Famecos. Achei o equilíbrio. Pecado que na próxima sessão estiva de exames não terei mais nenhum pra fazer.

Preciso dizer que estudar teologia pra quem foi apelidado pelo Piero Coda de “miss credente” foi um desafio difícil, doloroso e muitas vezes me revoltei. Cheguei a ter momentos de criancice e não fui à aula. Achava um absurdo. Em outros momentos me resignava. Em outros, quando me permitia baixar a guarda e ouvir... Me chacoalhava por dentro. 

Foram 6 disciplinas. È tanto. Forse troppo. Mas o que não mata fortalece. E como dizia meu avô, saber não ocupa lugar. E, confesso, mas não contem a ninguém, depois da disciplina sobre Marco, li todo o evangelho, mesmo depois de ter feito o exame e agora estou lendo o Matteo. No meu ritmo, mas estou lendo... 

Descobri que a filosofia não é tão abstrata quanto parece e que os estudiosos de lógica tantas vezes têm uma linha de pensamento que se pode chamar como quiser, menos de lógico. 

O Leibniz, por exemplo, costumava dizer:  Quando due persone saranno in disaccordo su un punto qualsiasi, potranno sedersi a un tavolo e dire: calcoliamo. Sul risultato di un calcolo il disaccordo non è più possibile. Porém brigou com Newtom até o fim pela autoria do cálculo infinitesimal. Esqueceu de chamar o Newton pra sentar e calcular...

Algumas disciplinas simplesmente derretem o cérebro. Outras te tiram o chão e não devolvem mais. Na aula do professor Baggio andei perdendo uns pedaços meus que até hoje não reencontrei. Talvez não me façam falta. 

Sophia te destrói. Te desmonta, desmancha tudo. Pedra por pedra. E depois reconstrói. 

Essas férias têm sido um espaço pra refletir. Pensar sobre tudo o que aconteceu. Me perdoar pelos erros e sentir saudades... Muitas saudades!

Meus amores estão no Brasil e nos Estados Unidos. E eu aqui... sentada olhando o movimento (dentro de mim) e tentando por ordem nas emoções que agora não mais me chacoalham, mas me acalentam... 

Os próximos dois meses vou trabalhar. 

E preparare il cuore per il prossimo anno che verrà. 

Globo em frente a Sophia e a cerejeira japonesa no comecinho da Primavera
20/07/2012

7 comentários:

gboerbon disse...

Uau,q texto bom de ler! É bom estar por perto e ver q tudo isso é verdade! Vamos q vamos! mais um ano nessa loucura/pazzia

Karine disse...

Texto ótimo de ler mesmo Pati. Bom saber que toda essa experiência está tocando você de uma forma que não imaginavas. Te desejo todo sucesso do mundo e continua escrevendo... poderia ficar horas lendo teus textos e tuas experiências! Bjss mocoronga, saudadee :*

Gustavo disse...

Ahh!! Adorei o texto! Me fez lembrar do meu primeiro ano, e agora, perto de ir embora, me fez lembrar como foi uma experiência boa! Espero que o segundo ano seja ainda melhor (e é!). Aproveite bastante!!! =)
Bjs!

Tiane Quadros disse...

Oi, Patrícia, querida! Tão bom de ler o seu blog, saber as histórias atuais de uma guria que eu conheci ainda novinha...lembro até hoje das noites em que dormi na tua casa e a gente ficava conversando sobre acreditar ou não em Deus, nem sei se tu lembras disso hehehe. Como no seu texto você fala de teologia, lembrei desse episódio da nossa adolescência.
Aproveite sua experiência aí! Conheci Roma no ano passado e achei a cidade muito linda! Beijos e saudades!

Mágda Cunha disse...

Parabéns guria! Uma experiência e tanto e daquelas que vão te marcar para sempre. Muito estudo, convivência, em um ambiente de grande diversidade. Muito legal! Seguimos te acompanhando. Beijo grande!

Neka Machado disse...

Como é surpreendente te ler. Belo, belíssimo: "Mas afinal o que se aprende ao desistir? E recomecei." Tu és uma das maiores revelações de busca que eu conheci nestes últimos anos. E tu sabes pq digo isso. Um grande e sincero abraço, Neka Machado [NM]. Viva, simples assim!

Ana Baseggio disse...

Que lindo isso, Pati ! muito sentimento, adorei !!
Bj carinhoso